FIM E PRINCÍPIO
Para além da noite, desta ou de
outra qualquer noite, sento-me sempre no beiral da mesma noite, como se fosse a
margem do rio onde a vida passa.
Todas as noites são
diferentes, mas tão iguais no epicentro do seu misticismo e da sua magia.
Todas são tremeluzentes e
felinas, torridamente gélidas e soturnas. Elas revolvem a arca dos sonhos e do fascínio,
para consolo de algumas inquietações e erupções noturnas. São vulcões de lava
incandescente a deslisar vagarosamente sem que se lhes possa fugir, deixando um
rasto de pedra negra a fumegar dor por onde passam.
As noites lembram-me os tempos
de criança, e como tinha medo da noite. Tinha medo dos meus medos e dos medos
que outros me criaram. Coisas que não se fazem nem aos anjinhos.
Hoje, dia e noite, sou uma
caixa de ressonância dessas noites. E, na verdade, à noite, apenas quero percorrer
os dedos ao longo dos fios brancos da almofada de algodão que ainda cheira a lavanda,
para logo a seguir penetrarem timidamente pela janela da vida, raios de luz
dourada a anunciarem um dia novo.
José António de Carvalho, 21-outubro-2021
Foto da minha autoria