quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Poema "FIM E PRINCÍPIO"


FIM E PRINCÍPIO

 

Para além da noite, desta ou de outra qualquer noite, sento-me sempre no beiral da mesma noite, como se fosse a margem do rio onde a vida passa.

Todas as noites são diferentes, mas tão iguais no epicentro do seu misticismo e da sua magia.   

Todas são tremeluzentes e felinas, torridamente gélidas e soturnas. Elas revolvem a arca dos sonhos e do fascínio, para consolo de algumas inquietações e erupções noturnas. São vulcões de lava incandescente a deslisar vagarosamente sem que se lhes possa fugir, deixando um rasto de pedra negra a fumegar dor por onde passam.

As noites lembram-me os tempos de criança, e como tinha medo da noite. Tinha medo dos meus medos e dos medos que outros me criaram. Coisas que não se fazem nem aos anjinhos.

Hoje, dia e noite, sou uma caixa de ressonância dessas noites. E, na verdade, à noite, apenas quero percorrer os dedos ao longo dos fios brancos da almofada de algodão que ainda cheira a lavanda, para logo a seguir penetrarem timidamente pela janela da vida, raios de luz dourada a anunciarem um dia novo.


José António de Carvalho, 21-outubro-2021
Foto da minha autoria





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