segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Poema "AMA-ME"


AMA-ME

Ama-me por dentro,
que por fora é ilusório.
É campo que seca,
rio que resseca,
rio que morre
antes de chegar ao mar.

Ama-me neste cinzento,
que mistura o negro passado
com o branco do momento.

Ama-me assim:
com azuis sobressaltos
e verdes esquecimentos…
Mas sempre a sonhar
com pinheiros altos
e flores de jasmim,
com veleiros a navegar
nas vagas do alto-mar…

Sendo este o espaço
de chegares até mim
no tempo de um abraço;

e ficarmos assim,
marcando compasso,
para o dia não ter fim.

José António de Carvalho, 27-novembro-2023
Foto de António Miranda (Arte Celano - Grupo de Artistas)







sábado, 18 de novembro de 2023

TEXTO "MUITO"

MUITO

Muito quero adormecer as ideias que entorpecem o meu caudaloso sentir, e que me remexem as palavras e as folhas de outono, que são memórias amareladas e cinzentas, cobertas de bolores nascidos com os orvalhos. São folhas prestes a desfazerem-se da sua estrutura e do seu contorno na chegada do inverno, numa passagem daquilo que fora viva vida. As cores doces e a beleza dos efeitos por si só não bastam.

Enfim!...

Não será pedir muito a mim mesmo, que mais não seja do que sentir apenas o que quero e de, em algumas coisas, fazer apenas o que me dá prazer fazer. E matar literalmente os versos coxos de sentimento. Nem que para isso tenha que arrancar as folhas mortas e desfeitas do livro inexistente, que se abre das sombras do efeito e defeito do meu peito.

Já quase ressurgi em novo livro como os cogumelos a refletirem o luar nas noites claras de outono. Mas depois penso: como há tantos cogumelos iguais nesta altura, e são tão poucos aqueles que são saudáveis.

Não me falem mais de belos outonos!...

José António de Carvalho, 17-novembro-2023
Foto do Parque dos Loureiros - Vermoim







sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Poema "NA TERRA DA GUERRA E DO METAL"


NA TERRA DA GUERRA E DO METAL


Sou desta terra que vive de olhos postos no além, 
e vivo na avenida que segue sem se saber o fim.

Esta terra que fica na Terra onde há guerra
que mata inocentes e soldados também.

Disparo revolta à volta das letras que grito, 
bombas e balas de paz na terra de ninguém,

Mesmo não tendo importância para quem
só lê letras dos metais de quem é rico.

E… quem puder, por contrição, que mude;
eu, pelo mesmo motivo, por aqui me fico.

José António de Carvalho, 10-novembro-2023
Foto do trabalho de Antônio Miranda (Grupo de Artistas - Arte Celano)




terça-feira, 7 de novembro de 2023

Sátira "O DIÁLOGO"

MARCELO E COSTA


O DIÁLOGO

Disse Costa a Marcelo:
- “Galamba” Sr. Presidente,
Que mau “Cordeiro” me terá visto
Para me meterem nisto?

- Não faço ideia! Disse Marcelo.
Há muito que te avisei
Daquele astuto mentiroso…

Agora apenas te direi
Que para mim é penoso
Ver-te, também, ir embora!

Tu ainda por aqui ficarias
Não viesse a ordem de fora!

Como não ligaste à minha ideia
Terás que ir mesmo, e, agora,
A mando da Comissão europeia!

José António de Carvalho, 07-novembro-2023
Foto da LUSA



sábado, 4 de novembro de 2023

Poema "A TRAVESSIA" (Inspirado no quadro de Monteiro da Silva)


A TRAVESSIA

Essa paisagem cortada ao meio pelos castanhos outonos de águas ainda mornas, que se nega a não sonhar com a vida quando o sol a visita na sua aparição pela outra margem.

Há sempre um abismo a vencer, há sempre uma ponte para atravessar. Há sempre o outro lado para sonhar, há sempre um tempo que nos quer acolher.

Há sempre as repetidas primaveras que trazem a luz à escuridão dos olhos da alma, que quase adormece em todos os invernos da terra e em todos os invernos da vida.

Mas os olhos ainda vislumbram a ponte… Uma ponte de travessia e sonho, seja ela de luz, de água viva duma fonte, ou simples pincelada divina nas águas inquietas, que, lá no fundo, inspiram a arte, e a poesia.

José António de Carvalho, 04-novembro-2023
Pintura de Monteiro da Silva (Arte Celano - Grupo de Artistas)



quinta-feira, 2 de novembro de 2023

PENSAMENTO


ALGO QUE PODEMOS MUDAR?
(no dia dos fiéis defuntos)

Qual será a cor da vida se vivermos num mundo negro e acordarmos com um dia cinzento de chuva e vento, e os ventos a varrerem tudo, até o que pode ser mais positivo e os melhores sentimentos.

Depois, olha-se à volta e quase não há ninguém atento ao pormenor de cada pessoa. Mete-se tudo em sacos e em compartimentos para não incomodar nem ser incomodado. E cada um lá entra para o próprio saco ou compartimento: Fecha-se... e pronto. Está feito! 

Este fechar é um fechar de porta, de janela, um apagar de luz. A luz do conhecimento e autoconhecimento, do critério, da análise, da amizade, da solidariedade; a luz dos outros humanos e da sua compreensão, a dos outros seres, e da própria Luz.

Direi que estamos sós e às escuras.

José António de Carvalho, 02-novembro-2023
Quadro de Monteiro da Silva "Vento poético" (Arte Celano - Grupo de Artistas)




quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Poema "LEVA-ME A SAUDADE"

HOMENAGEM AO MEU PAI E AO MEU IRMÃO (01-Novembro)


LEVA-ME A SAUDADE

Pega-me na mão e leva-me para onde o sol se sinta ameno,
onde as palavras mesmo que surdas sejam ricas;
onde se cultivem os campos com almas despidas,
e se sinta que deixaste o ar mais leve e o peito mais fértil.
Que a robustez líquida do sentir angarie fiéis
para que possamos gritar pela verdade do amor.
Grito no cimo deste monte de saudade...

José António de Carvalho
Foto Internet