quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

TEXTO "NÃO SE MATE A SAUDADE"


NÃO SE MATE A SAUDADE

Muita gente fica feliz e diz que matou as saudades… Saudades de um amor, de um pai, de um filho, de um momento, acontecimento ou lugar, de um animal, ou de uma árvore.

Não digo isso. Eu quero que as saudades sejam vivas. E que vivam aqui, mesmo ao meu lado, e me vejam triste ou feliz, ou assim-assim.

As saudades ficam felizes se estivermos felizes, e dançam connosco cada momento da vida, ou choram connosco a dor que deixámos ou a que carregamos ainda. A saudade é uma penumbra emocional, vive e sente exatamente como nós.

Apenas temos entre nós e a saudade o intrometido tempo. Tido como: o inexorável e o implacável. O tempo sem rosto, o do princípio e do fim. O tempo do durante não se mede. Esse é fugaz, é o ápice. Está para ser e já foi.

O tempo é a distância sem medida que nos impomos agarrados às memórias. E nós vamos-lhe dando a natureza, a qualidade, e a intensidade do sentimento em cada momento.

Por tudo isto, nunca deixemos que se mate a saudade.

José António de Carvalho, 19-fevereiro-2025
Foto "Pinterest"







terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Poema "PRENDER O SONHO"


PRENDER O SONHO

Sonhei-te a pele
poro a poro,
linha a linha,
o verso e seu inverso.

Sonhei-te os lábios,
os beijos suaves,
o sorriso interior
num poema maior.

E sonhei-te os olhos,
os cabelos a voarem,
e as mãos tão suaves
a desenharem claves
no começo da partitura.

Escondi o calor do corpo
num arrepio de ternura
ao vislumbrar a claridade
do dia na noite escura.

E desci, desci…
na indómita vontade
de manter este sonho
bem colado a mim,
e longe da realidade.

José António de Carvalho, 10-fevereiro-2025
Pintura "Pinterest"



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Poema "A MARIA TERESA HORTA"


A MARIA TERESA HORTA (N: 20-05-1937; M: 04-02-2025)

Os teus poemas
são cheias de rio
no calor dos verões.

São espadas em punho
erguidas à intensa luz
do sol do mês de junho.

São a pele do corpo
o sangue, a carne
a voracidade das palavras.

São espelhos da mente
de uma alma condizente
na encruzilhada das estradas.

São os vetores da ligação
do prazer e do coração
de quem não é cobarde, 

fenómenos de paixão
em tempo de repressão 
da poesia 
que arde

e seiva penetrante
de poema inebriante
no final de qualquer tarde.

José António de Carvalho, 05-fevereiro-2025
Foto da autora - site da CM Póvoa de Varzim



domingo, 2 de fevereiro de 2025

Poema "AQUI E AGORA" (Soneto)


AQUI E AGORA

Corre como quem foge a ventos frios
Que a vida é em ti que se demora.
Eu sempre rezo para que chegue a hora
De abarcar em meus braços os teus rios.

Se te atrasas, minha alma triste chora
Tantos soluços surdos e arrepios,
Querendo o fim dos dias tão sombrios
E ver a luz dos versos vida fora.

Por que razão andar por outra linha
Que nos leve por onde ela definha?
Se a vida nos ensina a ir pelo agora... 

Vou chamar-te bem alto e sem rodeios.
Tu, quem me satisfaz simples anseios:
Vem Primavera, vem! Sou quem te implora.

José António de Carvalho, 02-fevereiro-2025
Imagem Pinterest







terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Poema "FLORES DO PENSAMENTO"


FLORES DO PENSAMENTO


As lindas flores que trazes no olhar
Neste tímido final de janeiro
São fruta madura desse pomar,

Que amadureceu ainda antes de florir
Como os cravos livres que hão de abrir
Em abril, e perfumar o ano inteiro.

E não sabemos cantar a outra flor
Que não seja a liberdade e o amor.

José António de Carvalho, 27-janeiro-2025



sábado, 25 de janeiro de 2025

Poema "LUZ TRÉMULA"


LUZ TRÉMULA

Ao som das trombetas
E no meio dos silêncios
Vivo num mundo vasto,
Repleto de gente
A avançar para além.

Promessas de horizonte
Na auréola da retina.
E sempre a luz trémula
Presa ao pavio
A queimar os pés no fio.

Fica o ruído da porta
Que quase se fecha
E uma pequena fresta
Por onde o ar entra.

É essa pequena brecha
Que ainda permite ver
O tremeluzir da chama
Que teima em alumiar
O caminho a fazer.

José António de Carvalho, 26-janeiro-2025








quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Poema "PRIMEIRA E ÚNICA VEZ"


PRIMEIRA E ÚNICA VEZ


Foram mais doze lançados ó tempo,
E vergados nesse ondular do vento
Que andaram juntando a perder de si.

Mas estes doze que agora queremos
Sejam luz no desenrolar da roca,
Da falsa roca que na vida temos.

E se a uns pode levar, nos deixe aqui,
Sem lugar a enganos ou qualquer troca
E não choremos pelo andar da roca.

Porque, se só vivemos uma vez,
Se ela sempre desfaz tudo o que fez…
Viver: Aqui e Agora; seja pra sempre

A nossa primeira e a única vez.

José António de Carvalho, 02-janeiro-2025
Foto "Pinterest"





sábado, 28 de dezembro de 2024

Poema "PROCURA"


PROCURA

Procuro-te nos barcos
De velas içadas ao vento,
Nas proas levantadas
A rasgarem mares
De dores e desalento.

Nos travos de alegria
Bebidos dum sonho
Pintados a branco.
Mas depois aponho
Que são apenas fantasia.

Procuro-te assim
Sem rumo, sem norte,
A poucas páginas do fim…
Páginas gastas, amareladas,
Que dizem tudo de mim
E também da minha sorte.

José António de Carvalho, 28-dezembro-2024
Pintura de António Miranda






sábado, 21 de dezembro de 2024

Poema "SOL DE NATAL"


Em 2024, o solstício de inverno ocorre este sábado, às 9h21 (horário de Lisboa), no Hemisfério Norte – este momento é mais do que apenas um evento astronómico: é o ponto de viragem da nossa viagem anual em torno do sol.


SOL DE NATAL

Vem Sol, Nasce!
Nasce Luz   Natural!

Fio     de seda,
Branda,   branca,
Alva,   de alvura
Transcendental.

Vem   e desce-nos
Primeiro;
Ensina-nos,
Preenche-nos
E     eleva-nos,
O ano inteiro,
Na Tua Luz Natural
       De Amor
       De Natal!

Feliz Natal a Todos!

José António de Carvalho, 21-dezembro-2024
Foto "Pinterest"



segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Poema "RUMORES DA POESIA"


RUMORES DA POESIA

Onde guardas a palavra que me disseste, e que me fez descobrir a doçura de fruta que as palavras podem ter?

Que silêncio secreto é este, que se abafa nas folhas de um livro guardado que nos faz voar quando o abrimos?

Diz-me com que jeito te pegue nas mãos, para procurar as palavras que bailam na tona das águas calmas do mar?

E quando alcanço o pensamento das árvores em rumor deste íngreme monte, onde é que repousas os silêncios dos versos dos teus poemas?

Oh… deixa-me ficar a contemplar o sol através da folhagem do pensamento, saciando-me a beber todas as gotas de poesia que vão caindo.

Deixa-me ficar assim… Tão perto do que é distante.

José António de Carvalho, 25-novembro-2024
Foto Pinterest (arte surrealista)








domingo, 24 de novembro de 2024

Texto "NATAL NO RIO" - Antologia de Natal da Chiado Editora

Texto que integra a Antologia de Natal - 2024, Chiado Editora.


NATAL NO RIO

Corre no rio da vida um mar de histórias reais verdadeiramente surreais, mais surreais do que a própria real racionalidade suporia, parecendo a mais pura ficção aquecida, horrivelmente testada e subtilmente não explicada.

Ora, a ficção da realidade é um útil opiáceo para o Homem, fazendo-o acreditar, andar, transformar-se, crescer e reproduzir-se. Crescer como um rio, que surge das singelas gotas de água lacrimejadas pelo ventre da terra e que se vão juntando até formarem um fino fio de água, dando as mãos a outras tantas gotinhas, e outras, e outros tantos mais fios de água, até formarem um caudal generoso designado por rio. Malogradas, muitas delas não sabem porque estendem a mão ou porque dão a mão. Apenas o fazem porque as outras também o fazem.

Como se sabe, o rio corre sempre aumentando o seu caudal através das afluências que chama a si, e por si vai deslizando de forma incorrigível até outro rio ou até ao mar. E no mar, tudo o que é lançado dilui-se na sua grandiosidade e perigosidade.

Nós, neste mar turbulento e turvo de ódio, ganância e guerra, não podemos nunca perder de vista o horizonte da nascente do rio, a nascente da água pura da vida inocente e frágil, da vista imaculada e sonhadora do menino que olha com angústia e tristeza para este rio, que no seu curso vai perdendo pureza e vai-se transformando numa mixórdia de águas impróprias.

Somos águas em movimento de um rio tendencialmente em degeneração de virtudes. Não deixemos morrer a criança que ainda pode viver em nós. Alimentemo-la todos os dias.

Olhando para a corrente do rio que somos, que aprendamos a conviver melhor com as nossas próprias margens e limites, com os nossos peixes, com as nossas plantas, com a biodiversidade que nos circunda, e com a nossa própria essência. Só assim o menino terá um brilhozinho de esperança nos seus olhitos.

Feliz Natal todos os dias!

José António de Carvalho
Vermoim, Vila Nova de Famalicão






terça-feira, 19 de novembro de 2024

Poema "CARTA AOS AMIGOS"


CARTA AOS AMIGOS

Amigos,
Sei que aos vossos olhos
posso parecer um pouco louco.
Sim. Apenas um pouco, 
daquilo que é a loucura total
do mundo em que vivemos.
Uma normal loucura mundial.

Razões para dizer isto
todos temos, todos têm.
No entanto,
são sinais que vão e vêm
por esse mundo infernal fora,
que perde o futuro no agora.

O pior disso tudo
é que não consigo ficar mudo…

E se isto pode parecer pranto,
sabendo que não sou santo,
peço-vos com a maior mesura
que, antes de selarem a minha,
saibam o que é a verdadeira loucura.

José António de Carvalho, 19-novembro-2024
Foto Pinterest



sábado, 9 de novembro de 2024

Poema "SEGURO PELO POEMA" - Inspirado no Poema de Joaquim Pessoa

Este poema foi inspirado em Joaquim Pessoa, e em jeito de resposta ao seu poema "AGARRA-TE AO POEMA", que vi e ouvi declamado pelo amigo e poeta António Soares Ferreira.

SEGURO PELO POEMA


Quando abro os olhos no meio da escuridão, eu vejo luz no poema.
Quando a solidão me lança no chão, levanto-me na força do poema.
Quando a mentira me mergulha no pântano, emerjo na limpidez do poema.
Quando a dureza da realidade me sufoca, eu grito pela boca do poema.
Quando o medo me impede de avançar, eu sinto a mão do poema.
Quando luto com a minha insegurança, sigo no leito do poema.
Quando a tristeza é tão forte como eu, deixo-me voar no sonho do poema.
Quando a dor me faz cambalear, eu bebo a cura no poema.
Quando não tenho o amor, eu abraço e beijo o poema.
Porque cada poema escrito é um caminho de luz para a vida.

José António de Carvalho, 09-novembro-2024
Foto "Pinterest"




quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Poema "HERÓIS DESPIDOS"


HERÓIS DESPIDOS


Na corda secava a roupa
Desse tempo de memórias
Que o forte sol aqueceu.
Eram divinas histórias
Que o mesmo enfraqueceu.

Triunfos inesperados
Desses heróis consagrados
Repletos de admiração
Que hoje já não são lembrados;
São heróis só de coração.

Agora, apenas os vãos
Dessa corda já despida.
E se a memória é pouca,
Esquecida está a roupa,
Remendada está a vida.

José António de Carvalho, 31-outubro-2024
Foto do Site "Duas Linhas - Povo que lavas no rio"





segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Poema "AINDA…"


AINDA…


Me lembro dos tempos agudos,
dos ventos agrestes, sisudos,
nos ombros dos homens cansados.

Também dos tempos de quimeras,
sons de flautas e violinos
vibrantes de sonhos sonhados.

Dos tempos de aventura e mel,
do lume e força da palavra
gravada em ouro com cinzel.

Recordo do que ainda me lembro,
tudo o resto de pouco importa,
se o tempo anda e com ele aprendo:

que a vida é só um setembro
com frio rosto de janeiro
cansado, a bater-me à porta.

José António de Carvalho, 28-outubro-2024
Quadro de António Miranda



sábado, 12 de outubro de 2024

Poema "TALVEZ POSSAS POR AMOR…"


TALVEZ POSSAS POR AMOR…

Talvez possas por amor…
Pegar na caneta
e fazer dela a eleita.

Fazer baixar armas
entre mares e desertos,
montanhas e savanas,
nos lugares mais discretos.

Terás que fazer viva paz
na vida que levas.
Viver na tranquilidade
afugentando as trevas.

As trevas da vida
são o cadafalso maior,

E a maior causa de morte
é a falta de amor.

José António de Carvalho, 12-outubro-2024
Foto "Pinterest"





segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Poema "MORTE"


MORTE


Sinto o tempo a bater perto.
O Inverno chegará num pestanejar.

É grave, a vida despida.
Gravíssimo, a vida faminta.
Arrepiante, a vida em fuga.
Degradante, a vida doente.
Nefasta, a vida sem sorte.
É crime, a vida sem vida.

E quem assim se sustenta,
Fecha os olhos e consente, 
Ou se dela se alimenta:

É um semeador da morte.

José António de Carvalho, 07-outubro-2024
Foto "Pinterest"



terça-feira, 24 de setembro de 2024

Poema "CAIS DO SILÊNCIO"


CAIS DO SILÊNCIO

Fico a chorar o verão
Que foi pelo labirinto
Sem saber a direção
Que tomar. Mas eu pressinto
Que ele vá na que prevejo:
Essa que chama o desejo.

Do verão fica a saudade
Que mais parece ilusão,
E do corpo frio que arde
Só se salva o coração,
P’la artéria que o alimenta
E que a esperança sustenta.

Mas o dia foge cedo
P’ra descer a noite fria,
Cais de silêncio do medo
Duma memória vazia.
E para o vazio encher
Novo dia há de nascer.

José António de Carvalho, 23-setembro-2024
Foto "Pinterest"




terça-feira, 3 de setembro de 2024

Poema - SETEMBRO


SETEMBRO


É mais um setembro calmo.
Sempre setembro maduro.
Que no ano é nono palmo,
A três palmos de um futuro.

Quem assim o tempo mede,
Mede-o pondo-lhe a mão
Movendo-o em toque leve,
E as folhas caem no chão.

É setembro, sopra a brisa
Que desprende o pensamento
Enquanto a alma se ameniza
Da angústia que vem no vento.

É setembro, tudo dito;
Vem com ele a nostalgia
A desdobrar o conflito
Entre mim e a noite fria.

José António de Carvalho, 02-setembro-2024
Quadro de António Miranda




quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Poema "O MENINO"

Este poema irá integrar a Antologia da Chiado Editora "ENTRE O SONO E O SONHO XVI"


O MENINO

Um menino pequenino
nos seus olhos de criança,
sonhava para o caminho
longas retas de esperança.

Olhava pelo postigo
Para ver a luz do dia,
Sempre fechado no abrigo
À medida que crescia.

O tempo lá foi passando,
O menino foi crescendo,
Nem podia acreditar
Nesse mundo que ia vendo.

Eram cidades inteiras
Em ruínas e desertas,
Alguns trapos de bandeiras.
Um horror de descobertas...

Fumos negros e os odores
A sangue já ressequido,
São agora mais duas cores
Que passam a andar consigo.

E perguntou para si:

Como seria aquele Homem
Que tudo aquilo fazia,
Poderia ser igual
Ao homem que em si crescia?...

José António de Carvalho, 28-agosto-2024
Vermoim, Vila Nova de Famalicão

Foto "Pinterest"