segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Conto "O Invisível da Arte"


O Invisível da Arte

Chamava-se Margarida. Sonhava com primaveras e margaridas brancas. À noite, escrevia poesia no aconchego do quarto, na mesa junto à janela com vista para o pequeno rio, onde o luar refletia por entre a vegetação. Durante o dia, moldava ideias e sentimentos com as mãos, pincéis, tintas e telas. Depois, dava tempo ao tempo para que as suas obras ganhassem nome, pois só o tempo consegue aprimorar a personalidade e o sentimento de uma criação.

Margarida nunca expôs os seus quadros nem publicou ou leu os seus poemas em público. A sua obra era conhecida apenas pelo seu gato, que, com as garras, ia dando "pinceladas" em algumas telas sem vidro de proteção, e por mim, que entrei na sua casa à noite enquanto ela dormia. Se não fosse assim, nunca teria tido oportunidade de saber o que ela fazia ou de conhecer a sua arte. Era uma curiosidade que crescia em mim: "como é que ela preenchia o tempo?". O gato dela, claro, nunca me diria nada.

A casa da Margarida era pequena, toda transformada em atelier e sala de exposição. Lá pontificavam os quadros, algumas esculturas, livros, tudo etiquetado. Também havia folhas A4, em molduras simples, com poemas e textos seus. 

Ela escrevia todas as noites, às vezes pela madrugada dentro, com os joelhos e os cotovelos frios, mas o coração quente. O silêncio dava-lhe a serenidade e a luz necessárias.

— Só as mãos e as tintas, não me bastam. Preciso das palavras. — Dizia Margarida para si mesma.

E deixou gravado numa folha de papel:

"NO RIO DA MINHA VIDA
TIVE DIAS CONSUMIDOS
MERGULHADA NOS MEUS SONHOS.
NUNCA FORAM REPETIDOS."

Continuou a escrever até ficar cansada e, por fim, deixou-se vencer pelo sono.

Algum tempo depois, já ela deveria dormir o primeiro sono, entrei na sua casa disfarçado de fantasma. O gato ronronava na sua almofada. A respiração dela era forte e pausada, em paz, tomada pelo cansaço.

Naquele dia não pintou nem escreveu muito — talvez não fosse dia de grande inspiração. Peguei em três quadros que estavam na parte inferior da estante e duas molduras com poemas. Pensei: "Ela não vai notar a falta". E saí cuidadosamente pela janela.

Decidi levar aquelas obras a alguém que as pudesse analisar e aquilatar da importância artística, para que pudessem, ou não, ser dadas a conhecer ao público.

No dia seguinte, ainda antes das dez horas, pus-me em frente à porta do museu a aguardar a abertura, acompanhado pelos quadros e pelas molduras com poemas. Poucos minutos depois das dez, a porta abriu-se. Pedi para falar com a pessoa responsável. A senhora respondeu-me com simpatia:

— Sou funcionária da Câmara Municipal, chamo-me Rosa Rio, mas trate-me só por Rosa. Trabalho aqui há mais de quinze anos. Pode falar comigo. O que pretende?

— Bem... o assunto pode parecer um pouco estranho, mas terei de lhe contar a história muito resumidamente. — E continuei:

— Uma senhora minha amiga pinta quadros e escreve poesia e prosa. Todavia, guarda tudo em casa. Vive quase sempre fechada com o seu gato e não se expõe nem mostra os seus trabalhos a ninguém. A casa dela é um atelier e um autêntico salão de exposição. Também não é dada a convívios e praticamente não comunica com ninguém. As compras sou eu quem as faz. Ela faz uma lista das compras e envia-me pelo telemóvel, e eu entrego-lhas em casa. A nossa comunicação faz-se essencialmente por mensagens ou e-mails. Praticamente não falamos de viva voz.

A minha curiosidade foi crescendo ao longo do tempo. Mas, ontem à noite, depois de ter a certeza de que ela dormia, entrei por uma janela, que deixa sempre semiaberta para a circulação do ar, disfarçado de fantasma para não ser reconhecido. O meu espanto, quando deparei com tal galeria de arte. Fiquei boquiaberto. Mas como não sou técnico, apenas um apaixonado pela arte, trago-lhe estes trabalhos para aquilatar da sua importância artística.

A senhora do museu respondeu:

— Bem, eu também não sou perita em arte. Mas, além do "amor à camisola", como se costuma dizer, tenho conhecimentos adquiridos ao longo da vida prática aqui no museu, da convivência com o Mestre, o fundador, e também de algumas formações que fiz nesta área. Deixe-me lá ver o que traz, porque agora também fiquei curiosa. - esclareceu D. Rosa.

— Vamos retirar dos sacos com cuidado para não danificar. — Pedi-lhe.

Ela colocou com cuidado os quadros encostados à sua mesa, recuou dois ou três passos, pôs a mão a segurar o queixo e, com ar muito sério, pôs-se a observar. Passados dois ou três minutos, perguntou:

— Acha que os quadros que lá ficaram têm mais ou menos qualidade do que estes? 

— A pergunta é de difícil resposta. Trouxe estes porque os admiro e estavam num lugar em que acho que ela não vai dar pela falta até logo à noite. Não posso trazer mais. Penso que ela tem lá mais bonitos e menos bonitos, dependendo do gosto de quem os vê.

— Muito bem. Nesse caso vamos pensar na possibilidade de os expor numa das nossas salas. O senhor vai pedir-lhe autorização para trazer as melhores obras. - disse a D. Rosa.

— O melhor será falarmos ambos com ela. Se for eu a dizer-lhe nem acreditará ou não valorizará, e tudo acabará aí. Se a D. Rosa for lá comigo falar-lhe, talvez ela seja menos irredutível. Mas nada é garantido. — Sugeri.

— Podemos ir logo, no final do meu trabalho aqui no museu. Mas não sei onde mora a Margarida.

— Passarei aqui pelas 18h00. Eu levo a D. Rosa. Depois deixo-a novamente aqui.

— Combinado. Pode ser um bocadinho depois das 18h. Certo?

Cheguei ao museu antes das 18h00. Aproveitei para fazer uma pequena visita e rever a obra do Mestre.

Pelas 18h15 saímos do museu rumo à casa da Margarida. Foram cerca de dez minutos de viagem, aproveitados para anteciparmos cenários de reações possíveis.

Ainda não tínhamos chegado e já avistávamos, na varanda, uma tela no cavalete e a sombra da Margarida por detrás.

— Está na varanda a pintar. Como faremos para levar as peças? — Perguntei intrigado.

—  Esse problema já sabia que o iria ter, quer fosse com ela acordada ou a dormir. Não se preocupe. — Acrescentou a D. Rosa para me acalmar.

— Chegámos. Este é o mundo dela. — Apresentei o espaço com mão.

— Um lugar fora do bulício do centro, mas com a aura de um pequeno paraíso. — Disse D. Rosa. 

Ainda algo longe de Margarida para lhe falarmos, ela antecipou-se, surpreendendo-nos:

—  Não trazem os quadros das pinturas e dos poemas? — Perguntou.

— Oh, que ela deu pela falta das peças. — Balbuciei para a D. Rosa. — O que faço agora?

— Agora... falamos com ela, e depois traz-lhe as obras. — Sugeriu Rosa. E continuou:

— Vejo que se sente desconfortável no meio de tudo isto. Deixe estar, que eu falo com a Margarida.

— Boa tarde Margarida.

— Boa tarde D. Rosa e Sr. João. Foi estranho o desaparecimento das obras, talvez algum fantasma as tenha levado, tal como a visita que me fazem. O que desejam?

— Bem, sem rodeios, vou direta ao assunto: O Sr. João levou cinco obras suas para serem avaliadas com a expectativa de as expor. Achei-as boas. E, do ponto de vista artístico, há interesse em serem mostradas a quem gostar de arte. Todavia, são necessárias mais obras para uma exposição. Podemos ver as que tem? — Prosseguiu Rosa.

— Farei uma breve análise para escolher as que entenda que devem ser expostas. Prometo, desde já, que teremos, como sempre, todo o cuidado para não danificar os trabalhos.

 E acrescentou: — Relativamente à sua vontade de não se expor, teremos o maior gosto em que esteja presente, pelo menos, na abertura ou no fecho da exposição. Mas respeitaremos a sua decisão de querer ir ou não. — Concluiu Rosa.

— Colocadas as coisas dessa forma tão linear, aceito. Só lhes posso ficar agradecida, e feliz pelo interesse em expor os meus trabalhos. Mas já não posso dizer o mesmo em relação à minha presença. Desculpem-me. Mas não irei. — Sentenciou Margarida.

Apesar de preparados para duas respostas negativas, depois de ter ouvido, surpreendentemente, positiva a primeira, autorizando que se expusessem os trabalhos, a segunda deixou no ar um espectro de desânimo e surpresa. Mas não o suficiente para nos desviarmos do rumo traçado.

— Quer selecionar as obras para levarmos, por favor? Enquanto as escolhe, eu coloco-as no carro. — Sugeri a D. Rosa.

— Vamos, vamos entrando, por favor. Fiquem à vontade. — Disse Margarida, que seguiu na nossa frente.

D. Rosa começou de imediato a selecionar os quadros, e eu levava-os para o carro sem demoras.

Pouco mais de meia hora passara, e o carro já tinha a mala e os bancos traseiros apinhados. Alguns quadros mais pequenos foram colocados na parte da frente, onde a D. Rosa teve de "lutar" para caber junto deles.

Muito rapidamente despedimo-nos da Margarida, demostrando uma grande vontade de a ver na exposição dos trabalhos dela.

— Margarida, sem a querer estar a forçar a nada, a decisão é sua, será uma enorme satisfação vê-la na exposição dos seus trabalhos, que vamos preparar com todo o gosto, para abrir ao público, extraordinariamente, de segunda-feira a uma semana, e encerrar no domingo. Até um dia destes. — Concluiu D. Rosa.

— Obrigado e até breve. — Agradeceu Margarida, acenando com a mão.

Os dias passaram rápido com as habituais rotinas, acrescidas pela preparação da exposição. Algumas vezes, também tive de ajudar a D. Rosa. Para a Margarida e para o seu gato, os dias passaram de forma mais lenta, devido aos espaços que ficaram vazios na sua casa.

Tal como havia sido combinado com Margarida, a exposição não fora anunciada em lugar nenhum. Contudo, D. Rosa, aqui e ali, deixava escapar a quem visitava o museu que andava muito atarefada porque estava a preparar uma exposição "que não expunha". Essa frase ficava no ouvido e aguçava a curiosidade dos visitantes.

Pouco faltava para as 10h00 da segunda-feira. Apenas eu e a D. Rosa estávamos no museu, ela olhou à sua volta para confirmar que tudo estava em ordem e colocou um pequeno volume de catálogos do evento numa mesa junto à entrada.

Assim que confirmou que tudo ficou pronto, D. Rosa destravou as duas portas, abrindo-as quase em simultâneo, e em tom de anúncio televisivo, disse:

— Faço a abertura do museu nesta segunda-feira e dou por inaugurada a exposição de pintura e poesia intitulada: "O Visível do Invisível da Arte", da pintora e poetisa Margarida.

Como era a única pessoa ali presente, bati palmas e desejei sucesso para o evento.

A manhã passou com apenas quatro visitantes, que, ao saberem da exposição, fizeram questão de a ver. A parte da tarde trouxe mais gente, o que é habitual segundo a D. Rosa.

O número de visitas ao museu foi crescendo a cada dia, e os visitantes mostravam-se satisfeitos, pelo que se percebia das conversas à saída. A sala onde a obra da Margarida estava exposta tornou-se passagem "obrigatória".

Na sexta-feira, foi necessário fotocopiar catálogos. O sábado teve bastante mais visitas — chegaram a estar no interior da exposição mais de uma dezena de pessoas, por alguns períodos —. O domingo foi mais calmo do que o sábado, mas mais concorrido do que a sexta-feira. Muitos dos visitantes eram estrangeiros e emigrantes portugueses. Nos últimos dias, vários quadros de Margarida ficaram sob reserva para serem vendidos, caso ela autorizasse.

Perto da hora de encerramento, uma senhora entregou um envelope à D. Rosa, e deu-lhe os parabéns pela organização e pela beleza das obras.

— Estou a reconhecê-la agora. Desde sexta-feira que tenho andado tão atarefada que nem presto a devida atenção às pessoas. Peço desculpa. Agradeço-lhe muito as suas palavras. Como está a amiga poetisa Joana Ramo? É para reservar algum quadro? — perguntou D. Rosa.

— Estou bem. Obrigada. A próxima semana será certamente mais tranquila para si. Não, não é para reservar, vim apenas entregar-lhe um envelope que uma amiga me pediu. Peço-lhe desculpa, tenho de ir. Obrigado por tudo D. Rosa. — Concluiu a poetisa.

D. Rosa colocou o envelope na gaveta, mas ficou curiosa. Virou-se para mim e perguntou:

— Ainda estão muitas pessoas na exposição "O visível do Invisível"?

— Penso que apenas quatro pessoas. — Respondi.

— Bem... vou começar a arrumar. Pode ser que também se arrumem. — Disse D. Rosa, a sorrir. 

Pegou no envelope, ansiosa, e começou a ler:

"Vi com os meus olhos, algo cansados da tela da vida e das cores que nem sempre a pintam, que há momentos que ficarão para sempre: os gestos simples das pessoas, os sorrisos e expressões espontâneas de carinho e afeto. É na singeleza e simplicidade que os olhos vislumbram as cores do conforto da gratidão e do amor.

Vi tudo isso estampado nos olhos dos visitantes que enchiam a sala. Senti-me feliz no meio das pessoas, na sala que denomino por:  "Sala Am'Arte".

Muito obrigada a todos os visitantes. Muito obrigada, D. Rosa e Sr. João. Um bem-haja a todos.

Margarida."

D. Rosa deixou-se vencer por um misto de sentimentos: estupefação, curiosidade e comoção. E falou em tom reprimido:

— Sr. João, Sr. João, ela esteve aqui. Temos que perceber quando e como.

— Ela quem? — Perguntei.

—  A Margarida. Temos de puxar pela memória ou pelas imagens da videovigilância. — Disse apreensiva, D. Rosa.

Decidimos ver as gravações dos últimos três dias. O domingo não revelou nada. Sábado de manhã também não. Mas, ao ver as da tarde de sábado, a D. Rosa quase gritou:

— Pare, pare... é ela.

Voltámos atrás e lá estava, vestido comprido verde com pequenas margaridas brancas, chapéu de aba larga a cobrir-lhe parte do rosto e óculos escuros. Ao entrar, fez uma vénia com a cabeça ao passar pela D. Rosa, escondendo-se ainda mais. Usou o chapéu como um escudo para se proteger, caminhou pela sala, ouviu comentários, sorriu discretamente. Parecia feliz.

— Não há dúvida que é a Margarida. Pareceu-me mais alta. — Disse D. Rosa.

— Efeitos do vestido comprido e do salto dos sapatos. Mas muito elegante. — Acrescentei.

— Agora teremos de falar com a Margarida, para ver se quer vender os quadros reservados.

— Vamos a casa dela amanhã?  — Perguntei.

— Sim. Amanhã é a minha folga. — Devolveu D. Rosa.

Na segunda-feira, à hora marcada, fomos à casa da Margarida. Estava tudo fechado, o gato não estava na cadeira de baloiço, e havia um papel no vidro da porta: "Correspondência ou assuntos - Dirija-se ao balcão da Piscina Municipal".

No balcão, a funcionária entregou um envelope a D. Rosa. Dentro, uma carta que dizia:

"Agradeço-lhes muito, D. Rosa e Sr. João. Ausento-me por tempo indeterminado.

Relativamente à minha obra deverão consultar o meu advogado, cujo cartão para contacto se encontra junto”.

A D. Rosa, com o seu desembaraço habitual, pegou logo no telemóvel e ligou para aquele número. A funcionária do escritório, informou-a da doação de toda a obra a favor do museu, cuja documentação já estava assinada pela Margarida e Câmara Municipal. 

— Oh... Que grande e agradável notícia. − Exclamou D. Rosa, de lágrimas nos olhos.

Abraçámo-nos emocionados, celebrando a Arte, a Cultura, e sobretudo, o talento, a generosidade e a discrição de Margarida.

A sala dedicada à sua obra passou a ter o nome "Sala AmArte".

FIM 

             



sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Poema "FLORES DE OUTONO"


FLORES DE OUTONO

Há flores com cores,
Flores com significados,
Flores com perfume,
Flores com alma,
Flores com sentidos.

Flores que vão,
Outras que chegam.

Em pleno outono,
São mais as que se foram do que as que chegam.

E assim continuará inverno fora:
Sempre mais idas do que chegadas.
E não há regressos.

Os regressos são pó.
E o pó apaga-se nos olhos da chuva fria.

José António de Carvalho, 31-outubro-2025
Foto  "Pinterest"




sábado, 11 de outubro de 2025

Poema "TRECHOS DE UM DIÁRIO"


TRECHOS DE UM DIÁRIO
  
Carrego dias longos
e árvores cansadas,
campos dourados
que ainda sonham junho,
começos e finais de dias
de brisas mansas,
meses, anos e vidas
suspensos em fios por dentro.

Ainda me movem
as ilusões que vejo
de olhos fechados,
e a tua silhueta 
a fugir na pele das águas paradas
de longínquos mares secretos.

A liberdade,
só em sonho
a ela temos direito,
ou nos versos livres,
desamarrados de dogmas e costumes,
curados da mentira epidémica.

Já não sei se o que sinto
é água ou dor,
ou o alvoroço
do desmaio das flores
que vão murchando no tempo.

Mas sei que os cravos
são almas livres,
e que as rosas 
são brisas de perfume inebriante.

Sei que o respeito e o sorriso,
o olhar e o silêncio,
a mão e o seu calor,
também são mensagens de amor.

José António de Carvalho, 11-outubro-2025





segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Poema "SONHOS DE OUTONO"


SONHOS DE OUTONO

A luz nas tardes de outono
vai-se esvaindo na ternura
dum singelo sonho ou sono,
a quebrar a desventura.

Mas a noite transfigura-o
num plácido mar de gelo,
na mão o temor segura-o
por longas noites de apelo,

E ela virá deslumbrada,
do fim do tempo de ócio
na sua altiva chegada
para o próximo equinócio...

Minha primavera amada
quantos sonhos tu nos dás,
ideal de alma cansada
que busca o belo na paz.

José António de Carvalho, 29-setembro-2025
Foto "Pinterest"







quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Poema "OUTONO POETA"


OUTONO
POETA

O poeta vive a natureza.
Naturalmente, se apaixona
por toda a sua beleza.
Paixão que não abandona.

Vive a viajar nos astros
sem o pé sair da terra,
a gastar sapatos gastos
num sonho que não encerra.

No Inverno canta a neve
na ânsia que o frio passe,
e nos versos sempre pede
que a primavera o abrace.

Esse amor à primavera
é sentimento tão forte 
que o leva pela quimera
sempre fugindo da morte.

Tem o seu  auge no verão,
mas em si já tudo chora
p'la vinda doutra estação,
a que no próprio mora.

Ventos leves vão soprando
na alma, de si, entristecida,
e o outono vai chegando
empurrando-o mais na vida.

José António de Carvalho, 24-setembro-2025
Foto "Pinterest"




domingo, 21 de setembro de 2025

OPINIÃO: "EUROPA DÁ UMA "ABADA" A ZERO"



EUROPA DÁ UMA "ABADA" A ZERO
AOS GRANDES BLOCOS GEOPOLÍTICOS EXISTENTES

Vinha do trabalho, porque também trabalho ao domingo, no carro, a ouvir as notícias das 18h  da Rádio Renascença (RR), e fiquei a saber que Portugal e outros países, reconheceram ou vão reconhecer nos próximos dias o Estado da Palestina. E fizeram-no ou vão fazê-lo, precisamente, nos Estados Unidos, onde se realizará a conferência da ONU. 

Não importa quem fez a declaração em primeiro lugar (desta vez, parece que foi Portugal), a Espanha fê-lo há um ano atrás, ou quem fará no futuro, importa que sejam muitos estados, e que a Europa deu um primeiro passo de firmeza e verticalidade nos valores da ordem mundial: A PAZ E A LIBERDADE.

Ora, a posição que agora está a ser tomada por vários países da UE, na minha opinião de mero cidadão comum, atira o EUA para o desconforto da ambiguidade da sua posição, ao defender o país invasor (Israel) no médio Oriente, e  na guerra da Europa parece que apoia a Ucrânia, mas não se declara oposição prática à Rússia. Ou será que apoia no seu íntimo, e de forma não declarada, "os invasores" nas duas situações? Ainda mais gritante é o que acontece com a posição da Rússia, que defende os invadidos da Palestina e, ela própria, faz guerra para se impor na Ucrânia.

Cá para mim, Rússia e EUA, podem até ter um acordo secreto para um "fechar de olhos" ao que um e o outro faz, no Médio Oriente e na Ucrânia, para que não hajam grandes consequências práticas na relação entre os dois países e nos seus objetivos.  

Na prática, e ao largo de tudo isto, beneficia a China, com o enfraquecimento e a dispersão de recursos e atenções das potências que economicamente lhe podem fazer frente.

A posição portuguesa e europeia pode não ter grandes efeitos práticos, mas não deixa de ser a posição mais sensata, mais humana, e a única que é linear e aceitável: O FIM DA GUERRA ONDE QUER QUE HAJA GUERRA.

Por tudo isso, sejam os governos da cor política que forem, o mesmo em relação a partidos e organizações ou, até mesmo, o cidadão comum, devemos, penso eu, rever-nos na validação da posição europeia pela PAZ.

Um abraço pela PAZ.
Foto net "segurilatam.com"

   



terça-feira, 16 de setembro de 2025

Poema "OLHAR O MESMO MAR"





OLHAR
O MESMO MAR

Ah, que os olhos alcançam
as velas de longínquo sonho, 
onde o tempo vive parado
na imensidão desse mar salgado.

Se chamarem por mim
não sairei daqui.
Deixem-me por aqui ficar
a desfiar sonhos que sempre vivi,

ver os caminhos que não percorri,
para conseguir agora encontrar
a paz que procuro
em outro horizonte do mesmo mar.

José António de Carvalho, 16-setembro-2025
Foto da minha autoria


 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Reflexão "VELHO"



VELHO

De que importam todas as tuas capacidades se estás velho?

Hoje, a idade não é um posto. Hoje, a idade é um desgosto.

És colocado de parte.
Não há beijos.
Não há sorrisos.
Não há carinho.
Não há toque.
Não há companhia. 
Não há saber acumulado.
Não há paciência.
Não há importância.
Não há céus, nem sonhos. 
Não há horizontes.
Só tens importância na utilidade. 
Não há mais nada.

Há apenas o fim.
Entretém-te a preparar o fim.
O teu fim só. E só no teu fim.
Dói?
Ninguém te mandou viver demais.

O pior, é que é uma roda que anda para todos. 

E quando te quiserem vender o contrário, não acredites. É apenas negócio.

Valha-te pelo menos o amor incondicional do teu cão,
a luz que te entra pela janela do sonho,
o sol que faz caminho pelos teus olhos a cada manhã:
através de um olhar,
um gesto,
uma palavra,
uma saudação,
uma música,
uma recordação, 
um poema,
um livro,
ou um sentimento que guardas como uma flor venerada no teu jardim interior;
já és feliz.

Já podes viver feliz.

Haja lucidez e memória.

José António de Carvalho, 11-setembro-2025
Foto "Pinterest"









quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Poema "SOBRESSALTO"



SOBRESSALTO

Já percorri muitos caminhos,
já perdi tempo,
já perdi tanto... 
Andei, ouvi, falei, escrevi,
até calado fiquei.

Do que ouvi ou li
houve sempre algo que ganhei, 
algo que sempre aprendi. 
Do que falei,
se calhar nada ensinei.
Do que escrevi,
a ninguém iluminei.
E tantas vezes me perdi.

Nesta "sócia" vida que temos,
ouvir o mais que pudermos.
Ter arte, esconder o pranto, 
fazer o caminho de desencanto,
fugindo ao lume do forno
onde se arde,
mesmo que morno.

Há lições que aprendi,
que me agitaram o ser,
de que o meu grito calado, 
mesmo ficando abafado,
dar-me-iam a paz
que sempre procurei,
que sempre pedi.
Mas se a tive,
nunca a senti.

José António de Carvalho, 10-setembro-2025
Imagem "Pinterest"










quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Poema "ROTINAS QUE MATAM"


ROTINAS QUE MATAM

Há uma porta entreaberta
entre o que fomos e o que somos.

Há um ritual divino em deixar passar
as ondas da imaginação que se levantam.

Ganham força as rotinas vãs
que moem os segundos que são de viver.

Mas o ponto de rutura vem na brisa,
e num ápice torna-se em vendaval,
lançando por terra todos os sonhos.

E lá voltamos a reaprender a edificar,
a colocar novas portas para depois abrir.

E faremos sempre as mesmas coisas
até que as forças se esfumem.

José António de Carvalho, 27-agosto-2025
Foto "Pinterest"




domingo, 24 de agosto de 2025

Texto Redondo "A VIDA É O QUE É"


A vida é o que é.

E não é motivo para  nos sentirmos melhores nem piores do que toda a gente. Somos o que somos, por termos aprendido, ou não, o que deveríamos e poderíamos, o que escolhera-mos ou permitira-mos que alguém tivesse escolhido por nós.

Vivemos o que vivemos, porque, face a todas a contingências e a nossa forma de ser e estar na vida, escolhemos e só tivemos oportunidade de viver dessa forma.

Não somos mais nem menos do que nós próprios, com todas as aprendizagens, com todos os erros e acertos nas escolhas, com todas as nossas capacidades e limitações, com tudo o que nos fora colocado à frente, oportunidades e dificuldades.

Aposto que se tivesse tido professores (em todas as áreas da vida, todos com quem aprendi) bem diferentes dos que tive, seria hoje uma pessoa também muito diferente. Melhor ou pior pessoa? Não se sabe. Ninguém o sabe, nem poderá dizer.

Portanto, não podemos nem devemos sentir-nos orgulhosos nem dececionados pelo que somos. Somos o que somos e não pode haver discussão. Ponto. Mas podemos mudar.

É a única coisa que podemos almejar: tentar melhorar de acordo com o que somos.  Sem que isso perturbe os outros ou nos faça sentir desconfortáveis perante nós mesmos. Façamo-lo convictamente.

Todos temos oportunidades de mudar. Que a mudança seja: Melhorar no futuro. Já, é passado. O  futuro é agora. A caminho da luz.

José António de Carvalho, 24-agosto-2025
Foto "Pinterest"



quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Poema "ENTRE GEMIDOS E FALAS"



ENTRE GEMIDOS E FALAS

As palavras desordenadas
nos lábios de cereja
e o delicioso suco
da longa madrugada
que a manhã beija

onde se perde tudo
para dar significado
a tudo se ter
e mais ainda se quer

A ramagem no chão
arrancada ao consentimento
vai despindo o sentimento
com o rodopiar da mão

O candeeiro estremece
na sombra que entontece
e a tontura diz, sim

Gritas e dizes, não
forçando o mundo ao movimento
e eu não fujo de mim
vou voando no vento

Denuncias-te ao meu ouvido
num tom embriagado
pelo tempo adormecido
Sim, agora... Sim

Estendemo-nos no universo
de mão dada, lado a lado
a sonhar e a sentir, que
o prazer de cada verso
no poema fora plantado.

José António de Carvalho, 21-agosto-2025
Foto de Shian Sood, pintura "Pinterest"
















 

















  

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Poema "SEREI INGRATO?"

(POEMA INSTANTÂNEO COMO OS PUDINS)


SEREI INGRATO?

Se me dissessem agora que estava a chover,
ficava tão agradecido às nuvens,
ao vapor de água;
à física, pela evaporação e pela condensação,
ao sol, pela ajuda na evaporação,
ao frio da altitude, pela condensação,
aos ventos, que juntam as nuvens,
à gravidade, que traz as gotas até nós.

Mas não. Não vou agradecer a ninguém.
Serei ingrato?
Talvez...

Mas julgo que não.
Simplesmente, não chove...
e a alma do nosso país continua a arder.

José António de Carvalho, 18-agosto-2025
Foto Pinterest




domingo, 10 de agosto de 2025

Poema "SE SOUBESSE SONHAR..."


SE SOUBESSE SONHAR...

Imagino-te na onda que vem do mar,
alcanço-te na espuma que te envolve os pés,
beijo-te na brisa fresca salpicada das ondas,
levito a meio, no seio do tempo que és.

Depois é noite, e...

É tempo de cair no negro regresso.
E na frescura da brisa, regelo,
na espuma que desaparece, perco-te,
na onda que volta ao mar, o sonho vai.

Recolho-me para me
ressignificar.

José António de Carvalho, 08-agosto-2025
Pintura de António Miranda



quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Poema "CINZAS"


CINZAS

Se ao menos fosse inverno
seria até acolhedor
estar dentro do inferno
e sentir-lhe o calor.

Mas não. É verão.
É um agosto ardente
indo além da razão,
um inferno no presente.

A chama imponente
a devorar a vida.
Ficam os despojos,
restos de nadas, cinza,

E os olhos mortos
de todos os que lutam,
não dos que mandam.
Esses, sorriem ainda...

Tragam água.
Tragam muita água,
para matar a dor
e afogar a mágoa
de viver este horror.

José António de Carvalho, 06-agosto-2025
Pintura de António Miranda - ARTE CELANO - Grupo de Artistas



quinta-feira, 31 de julho de 2025

Poema "DOR"


DOR

Há dias assim...

Com as palavras nas mãos
em frias manhãs de nevoeiro,
vindas de noites sem luares
p'lo fim da chama no luzeiro.

Dias que são como sem nada,
escusavam de ser sombrios,
podiam ter velas, navios
e toque de nova alvorada.

Os dias devem ter por regra
nascerem em manhãs Criança,
pularem na tarde finita
onde se ponha fim à guerra,
uma rocha em tão vil matança.

E se assim for...
A noite vem, e tanto faz
que haja ou não luar,
logo que haja amor,
haja pão, haja lar;
logo que haja PAZ.

José António de Carvalho, 31-julho-2025
Pintura de Monteiro da Silva - ARTE CELANO, Grupo de Artistas