Conto
“Do Dever ao Sonho”
O dia surgiu sôfrego e quente. Outubro, não era
habitual um nascer de dia assim, que mais parecia um daqueles amenos dias de
Verão. O relógio avançou rapidamente e apressado em chegar ao seu destino. Talvez
por ter entrado a hora de inverno no último fim de semana.
Francisco Botas é promotor imobiliário de
profissão, e a sua namorada Sara – Botas por afinidade – trabalha na mesma
imobiliária, na parte administrativa. Mas Sara vende e compra tantas casas como
o seu companheiro Francisco, mais conhecido por Chico Botas.
O Chico Botas planeava um passeio pelo
interior. Um passeio misto, juntando o “lazer e o profissional”. Fez um esquema
do que seria um fim de semana prolongado, aproveitando o feriado municipal de
Tarouca que comemora o S. Miguel, que alguém lhe teria dito, erradamente, que
seria no final de outubro. Mas como da ideia para a prática vai para além da
vontade de cada um, ficando-se apenas e tão só pela realidade, o feriado
municipal de Tarouca ocorreu no final de setembro (mês anterior) e fora ao
domingo, embora as festividades decorressem ao longo de toda a semana
precedente ao feriado.
Diz o Chico para a sua Sara:
- Ó minha pequenina Sarita, estava aqui a
planear fazermos um fim de semana que coincidisse com o feriado municipal em
Tarouca, mas para azar nosso o feriado lá é a 29 de setembro, ou seja, já foi!
– Disse o Chico algo desapontado.
- Pois!...
Lá se foi o nosso objetivo de ter muita gente lá concentrada para promovermos a
nossa imagem e o negócio! – Verbalizou a amada.
- Mas não importa, faremos o nosso trabalho com
as pessoas que por lá andarem! – Acrescentou a Sara.
- És sempre genial a solucionar as minhas
hesitações. Manteremos então a ideia de irmos lá promover os nossos imóveis
para o fim de semana!
Mas Sara, muito astuta, acrescentou ainda:
- E por que não aproveitarmos de 1 a 3 de
novembro, que é de sexta a domingo, e apanharmos as pessoas mais concentradas
na cidade por causa do Dia de Todos os Santos e, no dia seguinte, o Dia dos
Fiéis Defuntos?
- Excelente ideia! És uma estratega exímia! –
Disse satisfeito o Chico.
- E ainda ficaremos com o domingo para ver o
que há lá de bom e bonito! – Acrescentou a Sara. E continuou:
- Quem sabe, não iremos encontrar o castelo ou
palácio dos nossos sonhos para morarmos?!...
Olharam-se e sorriram, terminando a conversa
com boa disposição e com a visita a Tarouca já decidida.
Mas o Chico, sempre minucioso nas decisões, lá
continuou com as suas ponderações (que Sara diz ser um “miudinho”) para planear
ao pormenor uma qualquer viagem, seja ela curta ou longa, e as suas ações de
promoção de imagem e do negócio.
O objetivo do casal, dada a distância da sua
terra, não era a de encontrar lá clientes com imóveis para vender ou comprar na
própria terra (Tarouca). Mas antes, pensavam nas pessoas que quisessem “fugir”
do interior e prestar-lhes o serviço de mediação na aquisição de habitação no
litoral. Porque é por todos sabido e conhecido, muito pela ajuda da comunicação
social, que as pessoas vão fugindo em debandada do interior para o litoral na expectativa
de conseguir melhores condições de vida (saúde, educação para si ou para os
filhos, habitação, maior proximidade do mar pelo clima mais ameno, perspetiva de
férias e de fins de semana na praia, mas sobretudo pela maior oferta de
trabalho).
O Chico e a Sara já tinham tudo preparado. Decidiram
que ficariam hospedados, de sexta a domingo, num espaço de casas individuais com
vista para o rio Varosa, que passa perto do empreendimento turístico. Depois,
dali, sairiam para as dez freguesias do concelho, embora administrativamente
sejam apenas sete.
Ainda cedo, no dia 31 de outubro, puseram-se a
caminho, seguindo pela A7 e depois A24. Fizeram uma curta paragem para um café
no alto do Soajo e depois em Vila Real para um pequeno lanche matinal e
desentorpecer as pernas.
De novo na estrada seguiram em direção a Viseu
pela A24, saindo em Lamego para apanharem a EN 226 para Tarouca.
Já na cidade, foram diretos ao edifício sede do
concelho, desenhando em pensamento uma homenagem a todos os tarouquenses e seguiram
para a casa que os esperava, onde colocaram os seus pertences e foram dar uma
vista “d’olhos” por algumas ruas da cidade.
Estacionado o automóvel perto do edifício da
Câmara Municipal, dirigiram-se para a zona histórica da cidade até à Igreja de
São Pedro de Tarouca. Um templo medieval que sofreu alterações por várias vezes
e onde estão sepultados o Conde de Marialva e a sua mulher.
- Humm… estou a gostar do que vejo! – Disse o
Chico para a Sara.
- Os túmulos deixam-me triste! – Respondeu ela.
E continuou: - Mas a vida é mesmo assim… temos limites em tudo, e a vida é
disso um bom exemplo!
O Chico concordou com ela dizendo-lhe “sim” com
a cabeça, esboçando um sorriso para a sua amada. E pensou para si: “ela tem
sempre razão”.
- Anda daí. Vamos entrar no mosteiro! –
Acrescentou o Chico
Compraram os bilhetes (2 x 3,00 €) e lá
entraram no mosteiro, tendo feito uma visita rápida, mas atenta, e ouviram
todas as explicações e descrições que lhes foram dadas.
Ficaram bem impressionados com a visita ao
mosteiro e com todas as informações que lhes foram dadas. Aí começaram a
perceber um bocadinho melhor a importância daquela terra noutros tempos e das suas
gentes. Além de, também, começarem a interiorizar que o êxodo das populações do
interior para o litoral do país é um problema muito grave e que deveria ser
combatido. Em seguida foram almoçar, já era muito tarde.
No restaurante disseram que queriam o prato
mais típico da terra. Foi-lhes dito pelo empregado do restaurante, que o prato típico
daquela época do ano era a marrã, e que deveriam acompanhar com um bom vinho
tinto maduro.
- Seja o que diz! E pode trazer o pãozinho da região nas
entradas? – Acrescentou o Chico.
E assim foram evoluindo no seu conhecimento de
Tarouca, se os olhos gostaram do que viram, as papilas gustativas estavam já a
assimilar os primeiros “embalos” das entradas.
- O presunto e o pão são divinais! Exclamou a
Sara.
O Chico apenas lhe acenou com a cabeça com um “sim”,
porque não podia falar, a boca estava ocupada a deliciar-se com um dos prazeres
da vida, a boa comida.
Terminaram o almoço e tomaram café ali mesmo no
restaurante. Pagaram a conta e perguntaram se tinham livro de honra, ao que o
empregado sorrindo respondera:
- Temos honra, mas não em livro!
- Então um guardanapo de pano ou papel também
serve. Pode ser? – Interrogou o Chico.
- Oh, deixa lá. Não vais estragar um guardanapo
de pano?! – Ingeriu-se a Sara.
- Não estraga nada, bem pelo contrário! Aqui
tem! - Respondeu o empregado do restaurante.
O Chico pegou numa esferográfica e escreveu: “Eis-nos
aqui em Tarouca / agitando o paladar / mas que consolo pra boca / cresce a
intenção de voltar!!!”. E assinou. A Sara assinou ao lado e desenhou um sorriso
e saíram.
Seguiram para Ucanha, para verem a famosa ponte
romana sobre o rio Varosa e a sua torre. E ajeitaram-se para tirarem uma
“selfie” na entrada do arco da torre sobre a ponte. Enquanto o faziam, o Chico
sussurrou ao ouvido da sua Sarita “É tudo tão lindo e tão simples… Sinto-me
como um rei aqui! E tu és a minha rainha!”.
Ela respondeu-lhe e sorriu: - Eu sou a tua
rainha em todos os lugares e não só aqui!
Depois tomaram rumo a Salzedas, e novo
deslumbramento os invadiu, desde o piso em granito das ruas, os muros, as
casas, a belíssima e imponente igreja do mosteiro e o próprio mosteiro. O jovem
casal ficou rendido a algo que para eles era totalmente novo e surpreendente,
pois situava-se num patamar muito além do que esperavam.
- Sarita, minha linda, eu não sou capaz de
empreender para a saída de pessoas desta terra, porque eu próprio gostaria de
aqui viver! Espero que me compreendas e
aceites este meu dilema!
- Claro que compreendo! Tenho idêntico
sentimento! E continuou a Sara, no seu habitual espírito livre e decidido:
- Mas podemos muito bem fazer o mesmo trabalho,
mas no sentido inverso. Arranjaremos aqui casas para as disponibilizarmos a
clientes da nossa área que pretendam dar passos para o paraíso! O que achas?
O Chico não respondeu. Ficou ainda mais
indeciso sobre o objetivo que ali os levou e o que a vontade deles agora pedia.
Perdendo-se no silêncio a ver as mensagens no telemóvel. Mas por pouco tempo, porque
o telefone tocou. Atendeu, e disse para a Sara: “- É da receção!”
Pediam-lhe para passarem pela receção. Respondeu
de pronto, que iriam antes do jantar. E foram poucos minutos depois.
Na receção a menina disse-lhes que tinha lá estado
uma pessoa do restaurante onde eles almoçaram e que lhes trouxe uma carta do
Sr. Presidente da Câmara de Tarouca. O Chico pegou na carta e agradeceu à
menina. Era um convite para assistirem à cerimónia de entrega dos prémios do
Concurso Literário “O rio, o vale e as gentes”, e nas costas do convite estava
escrito:
Eis-nos aqui em Tarouca / agitando o paladar /
mas que consolo pra boca / cresce a intenção de voltar!!!”.
“Que o V/ regresso se faça em breve tempo e
para a gala literária “O rio, o vale e as gentes. São meus convidados!”
E assinou: “O Presidente da Câmara de Tarouca”
Os dois jovens abraçaram-se de felicidade, olharam-se
e sorriram.
José António de Carvalho
Que linda GV
ResponderEliminarMuito obrigado! (Ainda mais por se tratar de um texto algo longo). Mas, acima de tudo, que tenha gostado dos sentimentos associados e, eventualmente, gerados neste "pequeno teatro" da realidade do país.
Eliminar