segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Conto "Do Dever ao Sonho"

 Conto a concurso  do Vale do Varosa "O rio, o vale e as gentes", da Câmara Municipal de Tarouca

Conto
“Do Dever ao Sonho”

O dia surgiu sôfrego e quente. Outubro, não era habitual um nascer de dia assim, que mais parecia um daqueles amenos dias de Verão. O relógio avançou rapidamente e apressado em chegar ao seu destino. Talvez por ter entrado a hora de inverno no último fim de semana.
Francisco Botas é promotor imobiliário de profissão, e a sua namorada Sara – Botas por afinidade – trabalha na mesma imobiliária, na parte administrativa. Mas Sara vende e compra tantas casas como o seu companheiro Francisco, mais conhecido por Chico Botas.
O Chico Botas planeava um passeio pelo interior. Um passeio misto, juntando o “lazer e o profissional”. Fez um esquema do que seria um fim de semana prolongado, aproveitando o feriado municipal de Tarouca que comemora o S. Miguel, que alguém lhe teria dito, erradamente, que seria no final de outubro. Mas como da ideia para a prática vai para além da vontade de cada um, ficando-se apenas e tão só pela realidade, o feriado municipal de Tarouca ocorreu no final de setembro (mês anterior) e fora ao domingo, embora as festividades decorressem ao longo de toda a semana precedente ao feriado.
Diz o Chico para a sua Sara:
- Ó minha pequenina Sarita, estava aqui a planear fazermos um fim de semana que coincidisse com o feriado municipal em Tarouca, mas para azar nosso o feriado lá é a 29 de setembro, ou seja, já foi! – Disse o Chico algo desapontado.
-  Pois!... Lá se foi o nosso objetivo de ter muita gente lá concentrada para promovermos a nossa imagem e o negócio! – Verbalizou a amada.
- Mas não importa, faremos o nosso trabalho com as pessoas que por lá andarem! – Acrescentou a Sara.
- És sempre genial a solucionar as minhas hesitações. Manteremos então a ideia de irmos lá promover os nossos imóveis para o fim de semana!
Mas Sara, muito astuta, acrescentou ainda:
- E por que não aproveitarmos de 1 a 3 de novembro, que é de sexta a domingo, e apanharmos as pessoas mais concentradas na cidade por causa do Dia de Todos os Santos e, no dia seguinte, o Dia dos Fiéis Defuntos?
- Excelente ideia! És uma estratega exímia! – Disse satisfeito o Chico.
- E ainda ficaremos com o domingo para ver o que há lá de bom e bonito! – Acrescentou a Sara. E continuou:
- Quem sabe, não iremos encontrar o castelo ou palácio dos nossos sonhos para morarmos?!...
Olharam-se e sorriram, terminando a conversa com boa disposição e com a visita a Tarouca já decidida.
Mas o Chico, sempre minucioso nas decisões, lá continuou com as suas ponderações (que Sara diz ser um “miudinho”) para planear ao pormenor uma qualquer viagem, seja ela curta ou longa, e as suas ações de promoção de imagem e do negócio.
O objetivo do casal, dada a distância da sua terra, não era a de encontrar lá clientes com imóveis para vender ou comprar na própria terra (Tarouca). Mas antes, pensavam nas pessoas que quisessem “fugir” do interior e prestar-lhes o serviço de mediação na aquisição de habitação no litoral. Porque é por todos sabido e conhecido, muito pela ajuda da comunicação social, que as pessoas vão fugindo em debandada do interior para o litoral na expectativa de conseguir melhores condições de vida (saúde, educação para si ou para os filhos, habitação, maior proximidade do mar pelo clima mais ameno, perspetiva de férias e de fins de semana na praia, mas sobretudo pela maior oferta de trabalho).
O Chico e a Sara já tinham tudo preparado. Decidiram que ficariam hospedados, de sexta a domingo, num espaço de casas individuais com vista para o rio Varosa, que passa perto do empreendimento turístico. Depois, dali, sairiam para as dez freguesias do concelho, embora administrativamente sejam apenas sete.
Ainda cedo, no dia 31 de outubro, puseram-se a caminho, seguindo pela A7 e depois A24. Fizeram uma curta paragem para um café no alto do Soajo e depois em Vila Real para um pequeno lanche matinal e desentorpecer as pernas.
De novo na estrada seguiram em direção a Viseu pela A24, saindo em Lamego para apanharem a EN 226 para Tarouca.
Já na cidade, foram diretos ao edifício sede do concelho, desenhando em pensamento uma homenagem a todos os tarouquenses e seguiram para a casa que os esperava, onde colocaram os seus pertences e foram dar uma vista “d’olhos” por algumas ruas da cidade.
Estacionado o automóvel perto do edifício da Câmara Municipal, dirigiram-se para a zona histórica da cidade até à Igreja de São Pedro de Tarouca. Um templo medieval que sofreu alterações por várias vezes e onde estão sepultados o Conde de Marialva e a sua mulher.
- Humm… estou a gostar do que vejo! – Disse o Chico para a Sara.
- Os túmulos deixam-me triste! – Respondeu ela. E continuou: - Mas a vida é mesmo assim… temos limites em tudo, e a vida é disso um bom exemplo!
O Chico concordou com ela dizendo-lhe “sim” com a cabeça, esboçando um sorriso para a sua amada. E pensou para si: “ela tem sempre razão”.
- Anda daí. Vamos entrar no mosteiro! – Acrescentou o Chico
Compraram os bilhetes (2 x 3,00 €) e lá entraram no mosteiro, tendo feito uma visita rápida, mas atenta, e ouviram todas as explicações e descrições que lhes foram dadas.
Ficaram bem impressionados com a visita ao mosteiro e com todas as informações que lhes foram dadas. Aí começaram a perceber um bocadinho melhor a importância daquela terra noutros tempos e das suas gentes. Além de, também, começarem a interiorizar que o êxodo das populações do interior para o litoral do país é um problema muito grave e que deveria ser combatido. Em seguida foram almoçar, já era muito tarde.
No restaurante disseram que queriam o prato mais típico da terra. Foi-lhes dito pelo empregado do restaurante, que o prato típico daquela época do ano era a marrã, e que deveriam acompanhar com um bom vinho tinto maduro.
- Seja o que diz!  E pode trazer o pãozinho da região nas entradas? – Acrescentou o Chico.
E assim foram evoluindo no seu conhecimento de Tarouca, se os olhos gostaram do que viram, as papilas gustativas estavam já a assimilar os primeiros “embalos” das entradas.
- O presunto e o pão são divinais! Exclamou a Sara.
O Chico apenas lhe acenou com a cabeça com um “sim”, porque não podia falar, a boca estava ocupada a deliciar-se com um dos prazeres da vida, a boa comida.
Terminaram o almoço e tomaram café ali mesmo no restaurante. Pagaram a conta e perguntaram se tinham livro de honra, ao que o empregado sorrindo respondera:
- Temos honra, mas não em livro!
- Então um guardanapo de pano ou papel também serve. Pode ser? – Interrogou o Chico.
- Oh, deixa lá. Não vais estragar um guardanapo de pano?! – Ingeriu-se a Sara.
- Não estraga nada, bem pelo contrário! Aqui tem! - Respondeu o empregado do restaurante.
O Chico pegou numa esferográfica e escreveu: “Eis-nos aqui em Tarouca / agitando o paladar / mas que consolo pra boca / cresce a intenção de voltar!!!”. E assinou. A Sara assinou ao lado e desenhou um sorriso e saíram.
Seguiram para Ucanha, para verem a famosa ponte romana sobre o rio Varosa e a sua torre. E ajeitaram-se para tirarem uma “selfie” na entrada do arco da torre sobre a ponte. Enquanto o faziam, o Chico sussurrou ao ouvido da sua Sarita “É tudo tão lindo e tão simples… Sinto-me como um rei aqui! E tu és a minha rainha!”.
Ela respondeu-lhe e sorriu: - Eu sou a tua rainha em todos os lugares e não só aqui!
Depois tomaram rumo a Salzedas, e novo deslumbramento os invadiu, desde o piso em granito das ruas, os muros, as casas, a belíssima e imponente igreja do mosteiro e o próprio mosteiro. O jovem casal ficou rendido a algo que para eles era totalmente novo e surpreendente, pois situava-se num patamar muito além do que esperavam.
- Sarita, minha linda, eu não sou capaz de empreender para a saída de pessoas desta terra, porque eu próprio gostaria de aqui viver!  Espero que me compreendas e aceites este meu dilema!
- Claro que compreendo! Tenho idêntico sentimento! E continuou a Sara, no seu habitual espírito livre e decidido:
- Mas podemos muito bem fazer o mesmo trabalho, mas no sentido inverso. Arranjaremos aqui casas para as disponibilizarmos a clientes da nossa área que pretendam dar passos para o paraíso! O que achas?
O Chico não respondeu. Ficou ainda mais indeciso sobre o objetivo que ali os levou e o que a vontade deles agora pedia. Perdendo-se no silêncio a ver as mensagens no telemóvel. Mas por pouco tempo, porque o telefone tocou. Atendeu, e disse para a Sara: “- É da receção!”
Pediam-lhe para passarem pela receção. Respondeu de pronto, que iriam antes do jantar. E foram poucos minutos depois.
Na receção a menina disse-lhes que tinha lá estado uma pessoa do restaurante onde eles almoçaram e que lhes trouxe uma carta do Sr. Presidente da Câmara de Tarouca. O Chico pegou na carta e agradeceu à menina. Era um convite para assistirem à cerimónia de entrega dos prémios do Concurso Literário “O rio, o vale e as gentes”, e nas costas do convite estava escrito:
Eis-nos aqui em Tarouca / agitando o paladar / mas que consolo pra boca / cresce a intenção de voltar!!!”.
“Que o V/ regresso se faça em breve tempo e para a gala literária “O rio, o vale e as gentes. São meus convidados!”
E assinou: “O Presidente da Câmara de Tarouca”
Os dois jovens abraçaram-se de felicidade, olharam-se e sorriram.
José António de Carvalho

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Muito obrigado! (Ainda mais por se tratar de um texto algo longo). Mas, acima de tudo, que tenha gostado dos sentimentos associados e, eventualmente, gerados neste "pequeno teatro" da realidade do país.

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