segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Poema "CASCATA"


CASCATA

Voei descendo lentamente
entre segredos dos deuses
num céu que tão docemente
se vestiu de asas lilases.

Voei rápido e devagar,
para ver o fim tão perto;
e subi a sobrevoar
o teu rio entreaberto.

Bela flor que lá brotou
ao meio, bem no cimo
da nascente que ficou
adocicar o destino.

José António de Carvalho, 25-setembro-2022
Pintura de António Miranda



quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Poema "EMPRESTA-ME A TUA LÁGRIMA"


EMPRESTA-ME A TUA LÁGRIMA

A desventura que trago em mim
É cinza escura, e quase negra.
Não é começo, meio ou fim;
Mas uma linha reta, uma regra,
Que jamais se apagará da vida,
Tão mais sofrida do que vivida,
Talvez além do que a vista enxerga.

Por isso sou sisudo, cinzento e triste,
E se “tristezas não pagam dívidas”,
Nem as alegrias me dão o preciso
Para manter permanente sorriso
Que mal se esboça logo desiste
Porque a vida é andar na lâmina.

Chorar também não choro, já secaram,
E todas fariam um rio se se juntassem,
Daí que te peça uma simples lágrima,
E, talvez com ela, as minhas voltassem.

José António de Carvalho, 15-setembro-2022
Pintura de Monteiro da Silva; "A espera"




sábado, 10 de setembro de 2022

Poema "ENQUANTO O DIA NÃO NASCE…"


ENQUANTO O DIA NÃO NASCE…


Oh… que ânsia me invade…
Depois da tarde, a noite,
A lua, o silêncio,
E a alma faminta.

O rosto da madrugada,
Os cabelos de sol,
Os lábios da maçã,
A chuvinha de orvalho,
Os olhos fechados.

Os picos da montanha…
Onde nascem ribeiros
Crescendo enquanto descem,
Unindo-se ávidos
Aumentando no leito,
Aglutinados num só rio
Num fulgor de arrepio
A devorar as margens
De idílicas paisagens
Até morrer no mar.

José António de Carvalho, 10-setembro-2022
Pintura de António Miranda



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terça-feira, 6 de setembro de 2022

Poema "IMPLORO À PRIMAVERA"


IMPLORO À PRIMAVERA

Imploro às andorinhas que fiquem,
Que revolvam as palhas dos ninhos,
Que façam novo berço da lama do destino,
Que dobem outonos em primaveras…

Que as flores desabrochem de quimeras,
Que o tempo sorria sempre com tempo,
Que o inverno num sopro desapareça,
Que a paz no lago da vida aconteça.

José António de Carvalho, 06-setembro-2022
Pintura de António Miranda



segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Poema "NÃO ME SEI…"



NÃO ME SEI…


Procuro conhecer-me se me desconheço,
Não respondo pelo que serei a seguir.
E se me escondo logo me mostro,
Nesse sol a espreitar entre nuvens,
Das tantas vezes que me desgosto
Para outras tantas voltar a sorrir.

José António de Carvalho, 19-agosto-2022
Foto: factotumcultural.com.br



 


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Poema "CATIVO DAS TUAS MÃOS"


CATIVO DAS TUAS MÃOS


Pega-me nas mãos
Segura o mundo que é nosso
Pela penumbra do assombro.

Deixa-te ir pelo mar
De peito exposto ao vento
Mais que ave a planar
Sobre o que é imenso
Do querer amainar
Um desejo tão intenso.

Desprende um sorriso
Desse olhar impreciso
Como quem vive a sonhar
Com mundo p’rá além do mar
Onde subsisto em cativeiro
Para te ter por inteiro.

José António de Carvalho, 25-agosto-2022
Foto de Conceição Silva (S. Martinho do Porto)



sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Poema "FUTILIDADES"


FUTILIDADES


Sei lá de onde vem o sentimento
Que se empoleira nos caminhos da vida
E leva para longe o que está perto,
E quer à força os ventos dos desertos.

Sei lá porque é que o amor é vulnerável,
E a vulnerabilidade e o amor são parceiros
Dos dias e das noites, do nascer e do pôr-do-sol.

E a vida fica toda preenchida de inutilidades.
Coisas inúteis, sentimentos inúteis, e futilidades…

E agarramos isso para lhe darmos a importância
De urdir todas as teias e tecer todas as vidas.

E é tão somente a mais que comum cobardia.
É delicioso o sol nascer depois de se ter posto…

José António de Carvalho, 19 agosto-2022
Pintura a óleo - Site Dreamstime






quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Poema "OLHARES A CORES" - Coletânea "Invisíveis olhares" RVA



OLHARES A CORES


Imagino a vida a cores
Pintada suavemente
Pelos dedos voadores
Que percebem fielmente
A razão dos pormenores.

Olho longe, sempre em frente,
Abraço as nuvens, e a luz
Que o Sol dá a toda a gente,
A quem me guia e conduz
No respeito mais silente.

Ouço o romance das flores,
Vejo a mudez das nações,
Mordo a fome, calo horrores,
Surdas notas das canções.

Vejo tudo. E do que vejo,
Sendo pouco mais que nada,
É bem mais do que o desejo
De nascer na madrugada.

O poema será um livro;
Um livro livre de medos,
Um coração livre e vivo,
Frágil barco destemido
Guiado pelos meus dedos.

José António de Carvalho, 30-junho-2022



quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Poema "POVO QUE LAVAVAS NO RIO"

Este poema foi inspirado e adaptado para os dias de hoje, do poema de Pedro Homem de Mello (06-09-1904 / 05-03-1984) "Povo que lavas no rio", cantado por Amália Rodrigues, e presto homenagem a ambos.


POVO QUE LAVAVAS NO RIO

Povo que lavavas no rio,
Talhaste com o conhecimento
As tábuas do teu caixão.
Pode ser que te arrependas
Do que fazes, e são ofensas
Que todas as vidas levarão.

Os que comem à mesa redonda
Onde nunca faltou o pão
Afundam-se no ganho e no ter,
Por troca do que é ser
Filhos na mesma condição.

Mas há quem não se esconda
De alertar a bons pulmões
Dos interesses em negociações
Que lavam a morte do futuro
Sem qualquer compaixão.

Ficarão secos e agrestes
Os solos, os rios, e as vestes
De quem sonha na cama.
E numa nova condição,
Em que o amor se derrama,
Faça-se da vida a grande arma,
Em verdade, de irmão para irmão.

José António de Carvalho, 03-agosto-2022
Foto na Noite de Conto e Poesia do Grupo instrumental que atuou na sede da ACAFADO






segunda-feira, 25 de julho de 2022

Poema "UMA FÉ"


UMA FÉ

Sentes dos meus braços todo o calor
que vem da montanha, bem lá do alto,
nesse regato fresco que, de salto em salto,
quer transformar-se num mar de amor?

Então viajas no tempo do mar,
no das estrelas, vezes ao dia,
da natureza e do sol, quem lhes confia
a alma e a vida, a fé dum novo acordar.

Se a minha boca brotasse a doçura
Desse olhar de palavras mães dos versos
que no meu coração moram submersos,
meus poemas fariam lei na ternura
de filhos abraçados nos regressos.

José António de Carvalho, 25-julho-2022
Foto da revista "Bula"





sábado, 16 de julho de 2022

Poema "LEMBRANÇA"


LEMBRANÇA



A lembrança mora
onde o tempo se repete,
despido pela memória
que finge o tempo quente.

É tão fria como o vazio
cravado em cada arrepio,
e a alma tanto clama
pelo calor de frágil chama.

Rebelde e inocente,
vai embora como a andorinha,
a rasgar caminho novamente
entre nuvens, mas sozinha…

E sonha mais uma vez
voltar à casa que fez
deixando p’ra trás a que tinha,
fazendo da velha a nova casinha.
Casas de que nunca se desfez…

José António de Carvalho, 11-julho-2022
Desenho de António Miranda







quarta-feira, 29 de junho de 2022

Poema "ALENTEJO, PORTUGAL"



ALENTEJO, PORTUGAL


Abraça-me loucamente
para me segurares à vida,
que vivo arduamente
como se estivesse perdida.

Ama-me docemente
como se o sol nascesse,
e se se põe precocemente
é como se não houvesse
mais razões p'ra ser vivida.

É assim que quero ficar
com este sonho no peito,
porque depois passa o efeito
da deliciosa bebida.

José António de Carvalho, 29-junho-2022
Foto de "Agricultura e Mar"












domingo, 12 de junho de 2022

Poema "CONTIGO"


CONTIGO


Contigo vêm os abraços,
Os beijos molhados,
O mar e as ondas,
E os corpos enrolados,

E vem o estio e o calor,
A água calma no rio,
E esta sede do amor.

E vem a música calma,
E o dia e a noite,
E a tempestade na alma.

E a volúpia acelerada
Que levita os sentidos,
Levanta as ondas do corpo
Entre surdos gemidos,
Enquanto o ventre espera…

E perde-se tudo do mundo
Quando atingimos o alto
Ao chegarmos ao fundo
Abraçados nesse salto
Que salta a Primavera
Quando o Verão se apodera.

José António de Carvalho, 11-junho-2022
Desenho de "Pinterest.pt/pin"


sábado, 11 de junho de 2022

Poema "NOSSA PÁTRIA"


NOSSA PÁTRIA


Nesta Pátria de Camões,
Lusos, quinhentos milhões;
Talvez mais, quem sabe?…
A chave com a qual se abre
Novas portas ao mundo.

Seta do fado e do poema,
No esplendor da sua beleza,
Nestes quatro e noutros cantos
Se canta: a língua portuguesa…

Traça o rumo da nossa Nação;
Que voa e navega em cada verso,
Levando os tesouros d’uma união,
Elos de oiro forjados p’la língua,
Fazendo nossos, povos irmãos,
Que a adotam e transformam,
Medida única de memória,
E nela se reescreve a história.

Levam-na no coração
Ao coração do mundo,
P’ró coração do Universo.
E no caminho sempre de ida,
Sempre em frente, rumo ó futuro,
Jamais terá queda ou regresso
Se transpõe e derruba, qualquer muro…

José António de Carvalho, 09-junho-2022
Certificado e menção de participação no Evento Poético "Somos Pátria", organizado pela poeta e amiga Graça Canhão.






quarta-feira, 1 de junho de 2022

Poema "UM DIA VOLTAREI AO MAR"


UM DIA VOLTAREI AO MAR


Levo todas as lembranças comigo
Atiradas p’rás bermas, na passagem,
P’la estrada da vida onde prossigo.
Gravuras e agruras duma viagem.

Regressarei sem ser reconhecido,
Porque os versos são músicas cantadas...
Harpas de cordas de ouro enobrecido
Sempre vibrantes às pontas dos dedos
Ligeiros p'las músicas já tocadas.

Farei que nasça um poema completo
Como o mar que sonha com o regresso
De luz e vida a esse mar tão concreto…
Sempre eterno e belo mar… e seu avesso.

José António de Carvalho, 01-junho-2022
Foto "Pinterest"





quinta-feira, 26 de maio de 2022

Poema "POESIA SUSPEITA"


POESIA SUSPEITA

Permanece diante de mim.
Deixa-me embaraçado comigo.
Torna-me num frágil adolescente,
Neste sentir pontiagudo, já antigo,
De vento a entrar pelo postigo.

Não vos inquieteis por eu ficar assim,
Que é defeito meu, eu vo-lo digo…

Se acordo por dentro de repente
A transbordar-me para um jardim,
De olhos esbugalhados de castigo
Por não prender cá dentro a semente
Germinada pelo contentamento sem fim
De querer aprender a ver-te assim.

É quando me quedo mudo. E repouso,
Ao faltarem-me as forças quando te ouso.

José António de Carvalho, 24-maio-2022
Pintura "Pinterest"



sábado, 14 de maio de 2022

Poema "O CALOR DA LUTA"


O CALOR DA LUTA

Se de mim escondes a flor
O que direi eu ao meu Deus?
Que beber de ti os pingos do amor
É subir da terra ao alto dos céus.

E se céus há mais do que um
O meu e o teu, e ainda outro,
E se buscamos ainda mais algum
É porque só dois nos sabe a pouco.

E ficamos a voar num largo sorriso
De pupilas em chamas e corpos quentes,
Depois da batalha corpo-a-corpo
Guardamos as armas ainda fumegantes,
Sob um céu que jamais será o de antes.

José António de Carvalho, 14-maio-2022
Pintura a óleo de "Light in Thebox"


quarta-feira, 20 de abril de 2022

Poema "ASA DE ABRIL"


ASA DE ABRIL



Pega numa flor, num cravo, ou rosa;
vê o filme do mundo, lê a prosa,
desse sonho a esvoaçar de verdade.
Ergue-te bem alto ó Liberdade!

Desenrola-te e perde o medo.
Deixa de ser um ideal, um segredo,
que nos flameja só por dentro.
Atinge-nos com o teu olhar atento!

Passeia-te neste mundo distraído
que explora e mata, sem ser punido,
como se fosse uma lúgubre savana,
em que o mais forte o fraco engana.
Isso é o terror vestido de modernidade…
Ergue-te bem alto ó Liberdade!

E não há maior traição que nos sirvam
do que a fome que a tantos obrigam,
e o roubo do suor a outros tantos
por aqueles que passam por “santos”.

E desse Abril só ficou a quimera,
e a beleza de cada nova Primavera,
que sempre nos traz brilho e cor,
que nos permite gritar com fervor:

- Ergue-te bem alto, ó Liberdade!!!


José António de Carvalho, 10-abril-2022
Foto: "Cultura de Rua"









sexta-feira, 15 de abril de 2022

Quase Poema " VIVER A PÁSCOA"



VIVER A PÁSCOA


Bebi uns copos.
Pesa-me a cabeça.
O corpo já pesava antes,
embora mais leve do que nunca…

É sexta-feira Santa,
mas foi dia de trabalho.

Quase ninguém lembrou a Paixão e Morte de Jesus.

Terá sido em vão?
- Foi!

Quero dizer:
- Não! Não foi!

Nem que apenas um único ser humano a lembre.

Nunca estive tão lúcido para o dizer:
Se o Homem não pensa na morte,
ignorando-a tão somente,
infligindo exploração, sofrimento
e abandono, a troco de míseros vinténs,
por vaidades e laivos de loucura, 
exibindo-se nos píncaros da avareza,
e com ela, a autodestruição, o exibicionismo,
o egoísmo, a ligeireza.

O desrespeito do congénere,
a ardileza na cama,
a comercialização do corpo,
a adulteração de valores,
a destruição da natureza.

A mentira da verdade, e a verdade mentirosa.
Sabe-se lá quantos outros sentimentos mais…

Já não me apetece escrever.
A solidão hoje mata-me.
Não consigo parar de pensar
no sofrimento de todos os “Jesus” que sofrem.

Venha a Páscoa para se fazer LUZ.
Que seja mesmo um dia Feliz,
porque a nossa felicidade cansa…

José António de Carvalho, 15-abril-2022
Foto "iStock"




quinta-feira, 7 de abril de 2022

Poema "OS MEUS DIAS DE SOL"


OS MEUS DIAS DE SOL


Quando olho para o mar
deixo-me sempre encantar
pelas avenidas dos sonhos,
e não os consigo parar.

São como pérolas pequeninas
ter as tuas mãos nas minhas
a aquecerem as palmas,
Atando assim as nossas almas.

Os teus lábios são sonhos rubros
que arrepiam o corpo todo.
E sempre que o tempo desce,
Esse, que não se esquece,
Faz-me bem, ao sonhar o dobro.

E fico muitos dias a cantar
o que de bom a vida tem,
Porque os que passo a chorar
não falo deles a ninguém.

José António de Carvalho, 14-fevereiro-2022
Foto de Conceição Silva